“E Jim tira-lhe o quadro das mãos e procura um sítio para ele em cima da cómoda, segurando-o com uma jarra de flores vazia de cada lado. Depois cinge Kate nos braços e aflora-lhe a pele delicada do rosto e com os lábios traça os contornos que viu revelados nas cores. Mas quando se beijam, enrolados um no outro, o seu amor torna-se desesperado por acção do que lhe corre por baixo. É como se nenhum toque, nenhum gesto ou afago estivesse livre do desejo de fazer dele algo mais do que é. Como se o amor que naquela altura fizesse com ela tivesse de ser não apenas feito de beijos e carícias ou mesmo de alguma coisa corpórea, mas antes de uma substância de espírito e fogo. Sonha com um amor capaz de salvar os dois, resgatá-los dos desesperos separados e da secreta solidão das suas vidas e ser, à falta de uma palavra melhor, transformador – a ideia de resgate sempre presente. Busca com a boca e com os dedos a maneira de fazer Kate feliz, como se a felicidade fosse uma construção mental ou uma fugaz invenção que se pudesse aprisionar e manter imune à erosão do tempo.
Jim e Kate estão deitados no sofá. As janelas curvas retêm pedaços do azul profundo do céu nocturno. O vento vem e vai por entre as árvores do jardim, arrancando-lhe furiosamente as últimas folhas. Não há luar. Na quietude que desce depois do amor, a pouca paz que sobrevém é frágil e leve e demasiado efémera. Estão deitados em silêncio no remoinho das coisas que as palavras não dizem, numa respiração pausada e leve que escutam contra o turbilhão que sopra lá fora.
Dizei uma palavra e eu serei salvo – Niall Williams