"Quando eu era mais jovem acreditava cegamente no amor humano. Se uns olhos me fitavam com ternura, se uns lábios me sorriam, eu pensava logo que isso era uma prova de que gostavam de mim. Tinha vontade de retribuir e sentia uma euforia que hoje sei que se chamava felicidade. Agora, é escusado olharem-me com ternura e sorrirem-me afavelmente. Para mim, esses gestos podem não passar de uma mímica, fazer parte de uma representação. Ainda que a pessoa que me olha ou sorri julgue que é sincera, o facto é que, mesmo assim, pode estar a representar. Pode não executar esses gestos por amor verdadeiro, puro, desinteressado. Ela pode ter um interesse qualquer, nem que seja o de me dominar com a sua aparente afabilidade, quebrar todas as minhas resistências, fazer de mim um fantoche, uma marioneta movida por cordelinhos."
Ponte levadiça – Isabel Gouveia