Livros... livros e mais livros. Estes têm sido uma constante na minha vida. Reconheço que faço parte de uma minoria, mas não me importo muito com isso. Passei a minha juventude a ouvir comentários dos meus vizinhos, que já com uma certa idade, diziam que andava sempre com os livros atrás e que ainda ia ficar maluca de tanto ler. As condições económicas não me permitiam comprar livros atrás de livros, porque infelizmente o preço fazia com que estes fossem considerados como um luxo. Embora compre um ou outro, a maior parte dos livros que leio são da Biblioteca Municipal, que quando a comecei a frequentar funcionava no r/ chão da Câmara Municipal e nenhuma semelhança tinha com a actual Biblioteca a não ser os livros. Todas as semanas passo por lá para entregar os três livros que tenho comigo e para trazer novos. Quase que posso dizer que muitos dos livros que vejo naquelas prateleiras já foram por mim lidos e folheados. Não quero com isto dizer que leia linha a linha, palavra a palavra. Como todo o leitor, concedo-me alguns direitos, tais como abandonar a leitura de um livro quando o mesmo nas primeiras vinte páginas não se revela interessante, o direito de saltar descrições, o direito de saltar páginas, o direito de ler quando quero, onde quero, e quando me apetece.
Todos os leitores têm os seus direitos, e Daniel Pennac enumera-os no seu livro Como um Romance:
1) O direito de não ler.
2) O direito de saltar páginas.
3) O direito de não acabar um livro.
4) O direito de reler.
5) O direito de ler não importa quê.
6) O direito de amar os "heróis" dos romances.
7) O direito de ler não importa onde.
8) O direito de saltar de livro em livro.
9) O direito de ler em voz alta.
10) O direito de não falar do que se leu.
Sempre gostei de ler. Ainda me recordo das minhas primeiras leituras. A minha casa era junto à casa da minha avó materna. Depois da morte do meu avô, para que não ficasse tão sozinha, passei a dormir em casa dela. Como ela não sabia ler, pedia que eu lesse para ela. Na altura andava na escola primária e os únicos livros que me tinham passado pelas mãos eram os manuais escolares, uma vez que em casa dos meus pais não existiam livros. Todos os dias lia alguns textos à minha avó, e sentia um orgulho imenso quando no outro dia ela contava à minha mãe e aos vizinhos as histórias que lhe tinha lido e quando, passado algum tempo, ela se recordava das histórias (textos) que já tinha lido... como é que ela se lembrava e dizia-me: "lê-me outra vez a da tartaruga. Gosto dessa.". Partiu quando eu tinha 15 anos, desde então deixei de ter ouvintes para as minhas leituras, e a partir daí passei a ler só com os olhos, só para mim, mas não perdi o gosto. É engraçado! Passaram quinze anos e ainda me consigo ver, em cima da cama, meio deitada, encostada à parede e à almofada, com o livro na mão, a ler para a minha avó, deitada ao meu lado.
O meu avô materno morreu muito mais cedo, tinha eu apenas 8 anos, e as recordações que guardo dele (nessa altura ainda eu não sabia ler) é que ele gostava de me contar histórias. Ainda me recordo de num final do dia em que estávamos sentados (debaixo da macieira que havia junto à casa, e que hoje já não existe, mas que ainda consigo ver nas minhas memórias) num banco feito com uma simples tábua de pinho, apoiada em dois tijolos, ele me explicar porque é que a lua se assemelhava à cara de um Homem. A verdade é que nunca li qualquer história relacionada com a lua, mas ele costumava falar de um homem que trabalhava aos domingos e que cortava a erva com um foce e que nosso senhor como forma de o punir pelo trabalho aos domingos o tinha colocado no céu para que todos o pudesse ver, e que quando o vissem tivessem consciência do pecado que tinha cometido. E que esta seria a explicação para que quando se olhava para a lua, se conseguia ver nela a figura do pecador e a foce. Se assim era ou não, não sei, mas a verdade é que tudo isto são memórias que guardo no coração com uma grande ternura.
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