"Mas a chegada do Verão era terrível. Tudo despertava, a natureza inteira - e a sua também. Sim, ela conhecia as regras do jogo e nunca lhes fora rebelde. Uma mulher, quando se casava, casava-se para sempre com o mesmo homem, o seu homem. Era-lhe fiel e dedicada, enquanto ele fosse vivo, e era-lhe fiel e dedicada, mesmo depois de ele estar morto. Por desgraça sua, vira-se viúva demasiado cedo, mas tanto fazia que tivesse sido aos quarenta e quatro como aos sessenta e quatro ou aos vinte e quatro: havia um papel, uma função social e um estatuto estabelecido para as viúvas naquela sociedade onde tinha sido criada, e ela sabia qual era e nunca, verdadeiramente, tinha desejado, nem no seu mais íntimo, pô-lo em causa. Mas isso era o que ela pensava e o que tinha aprendido ser justo. Outra coisa era o que o seu corpo pensava. E, mais do que uma vez (muitas, para vergonha sua!), não era a cabeça, mas sim o corpo que, de noite, deitada na cama além dela vazia, lhe assaltava a determinação e a paz que o seu espírito buscava. E tudo era mil vezes pior no Verão, com a luz do luar ou o cheiro das ervas entrando pelo quarto adentro.
Então, era aquilo a viuvez! Fazer de conta que não estremecia, fingir que não pensava, esforçar-se por sentir apenas, nas noites de Inverno, o frio que dividia consigo a cama e não a ausência do homem que outrora a dividira, e, nas noites de Verão, convencer-se de que era só a natureza, lá fora, que acordava para a vida e não o seu corpo oficialmente adormecido para todo o sempre!"
Rio das flores - Miguel Sousa Tavares