"Ele foi, rápido e impetuoso e fez tudo, rápida e impetuosamente. Não ouviu dela nem um queixume, nem um murmúrio de excitação, nem uma palavra. Apenas sentiu que lhe agarrava os cabelos com força por detrás da cabeça e que arqueava levemente o corpo para facilitar os movimentos dele. Quando, exausto, tombou a cabeça de lado no peito dela e, minutos depois, rodou a cara para a olhar, reparou que ela continuava com a cabeça ligeiramente de lado, o mesmo sorriso na boca e contemplava o tecto do moinho, de olhos bem abertos. Só então pareceu verdadeiramente concentrar-se nela.
- Angelina?
-Sim...
- Diz-me uma coisa. Tu não és virgem, pois não?
Ela sorriu, sem se mexer.
- Então, tu acabas de fazer amor comigo, como é que queres que eu seja virgem?
- Sim, claro. Antes disso, quero eu dizer... eras virgem? Não, pois não?
- Isso preocupa-te?
- Se me preocupa? Que raio de pergunta! Então não há-de preocupar?
Ela sentou-se sobre os cobertores, afastando-lhe docemente a cabeça do colo, estendeu a mão para a bolsa, sacou um maço de Chesterfield, meteu um cigarro na boquilha e acendeu-o com o seu Zippo.
- Estás a falar a sério, Pedro? Preocupa-te que eu seja virgem? Agora é que te preocupa?
- Não, pensei nisso antes, mas, como não te vi dizer nada sobre o assunto nem travar as coisas, achei que... de uma maneira ou de outra...
- O quê?
- Que ou não eras virgem, ou...
- Ou quê?
- Ou não te importavas de deixar de ser...
- Ah, e o que concluíste, afinal?
Pedro estava a achar a conversa desagradável, a despropósito, e o pior é que tinha sido ele a começá-la. "Pensando bem, o que me importa a mim isso? Ela é que tem de se preocupar com o assunto!"
- Concluí que não, Angelina.
-Não... Não quê?
- Que não eras virgem, antes de mim. - Estava a começar a irritar-se com aquele interrogatório: então, ela não era virgem e ele é que era o réu?
Angelina reclinou-se sobre ele e pousou-lhe as mãos no peito. Ele estremeceu ao reparar outra vez como ela estava sensual e exposta na sua nudez, debruçada sobre ele. Ia falar, mas ela antecipou-se-lhe:
- Diz-me a verdade, Pedro: isso é grave, é importante para ti?
- Não sei se é grave. Importante é. E é... é diferente.
- Diferente de quê? Diferente daquilo a que estás habituado?
Ele hesitou.
- Não, diferente, sei lá, daquilo que seria normal esperar de uma rapariga como tu.
- Como eu?
- Sim, da tua condição, do teu meio...
Ela pressionou-lhe mais o peito.
- Estás a sugerir o quê, Pedro?
- Nada. Juro que não estou a sugerir nada.
- Então, onde é que está a importância para ti de saber se eu já dormi com um ou com mais do que um, antes de ti? Eu perguntei-te alguma coisa sobre a tua vida sexual passada?
- É diferente, Angelina...
- Porquê diferente? Eu deixo de ser respeitável a teus olhos por já não ser virgem? Não queres voltar a estar comigo, por causa disso?
- Não, não, nada disso!
- Então?
Ele suspirou. Demasiadas perguntas para que não estava preparado. Nunca tinha, aliás, imaginado que devesse estar.
- Angelina: por mais moderna que tu sejas ou queiras aparentar ser, não podes ignorar que há tradições e valores morais, no meio em que nós vivemos, que...
- Convenções, Pedro!
- Seja: convenções. Chama-lhe o que quiseres, mas há.
- E o que interessam elas?
- Interessam, sim.
- Para quê?
- Para quê? Olha, para o casamento, por exemplo!
- Para o casamento? Mas tu pediste-me em casamento?
- Não...
-Vais pedir-me em casamento? Ou melhor, ias pedir-me em casamento, mas agora, que descobriste que eu não era virgem, já não podes? E isso?
Ele afastou-lhe as mãos e levantou-se. Estava a ficar sem ar, a sentir-se acossado.
- Que raio de pergunta, que raio de interrogatório!
Não podemos parar com isto? Uma coisa tão boa acaba assim, nesta discussão parva!
Ela baixou a guarda, enfim. Sentiu que continuar seria maldade sua."
Rio das flores - Miguel Sousa Tavares