"- E o Mike vai lá estar, não é? – ouvi-a perguntar, elevando a voz acima do barulho do trânsito. – Vou vê-lo?
- Vais, sim.
- Eu não posso acreditar que estou a fazer isto – protestou ela- A deixar-te levar-me a um sítio desconhecido sem uma única pista.
- Pois bem, estás a fazê-lo, porque me pediste que seguisse o Mike e agora vou mostrar-te o que descobri. – Continuámos em silêncio.
- Ainda é muito longe? – perguntou, assim que chegámos à outra margem do rio.
- Não, não é. – disse eu, parando à porta do Sr. Thoma’s . – É mesmo aqui.
- Aqui? Isto é o hospital.
- Exactamente.
- Vamos entrar no hospital?
- Vamos. Vá, anda. – Seguimos as placas até à entrada principal.
- Mas porquê? – ouvi a Hope perguntar. Não respondi. – Porquê? – repetiu quando passámos pelas portas automáticas.
- Porque é aqui que vamos encontrar o Mike . – Ultrapassámos a florista e o quiosque dos jornais e deixámos para trás a recepção, dirigindo-nos para o bloco de elevadores onde dez ou doze pessoas estavam já à espera. – É aqui que ele vem.
- Não compreendo – sussurrou ela. – Ele não está doente, pois não? Por favor, não me digas que ele está doente Laura.
- Ele não está doente.
- Então que raio é que ele vem aqui fazer? – As portas do elevador abriram-se e nós entrámos. – Vem visitar alguém? – murmurou. Premi o botão do sétimo andar.
- Sim. Vem visitar uma pessoa. – O elevador deteve-se no terceiro andar, os outros ocupantes saíram e ninguém entrou. Estávamos sós.
- A Clare ? – perguntou a Hope . – Ele vem visitar a Clare ?
- É isso mesmo.
- Oh, meu Deus. Ela está, então, doente...? – Não respondi. – É então isso? Ele vem visitá-la, porque ela está doente? Pobre mulher... Mas o que ela tem? Deve ser grave, para ele vir aqui há dois meses. Por que é que não te limitaste a dizer, Laura? Por que é que não falas?
- Porque eu quero que tu vejas.
- Mas eu não percebo – protestou ela. – Para que é todo este mistério? E se ela está realmente doente, a última coisa que ela deve querer ver aparecer-lhe à cabeceira da cama é a mulher legitima do namorado, não achas?
Sétimo andar.
Ao sairmos, a Hope reparou na placa na parede e deteve-se. Empalidecera.
- Tens a certeza de que é aqui?
- Tenho.
Ela levou a mão à boca. – A certeza absoluta?
- Absoluta.
- Então... – Ouviu-se um pequeno soluço. – Oh, meu Deus... há um bebé?
- Há um bebé, é verdade.
- Oh meu Deus – repetiu ela. – Um bebé. Há um bebé... – Abana a cabeça. – Oh, meu Deus... Eu não consigo entrar Laura .
- Eu acho que devias entrar.
- Não consigo. Não sou capaz. – Tinha os olhos rasos de lágrimas. Olhava para mim acusadoramente.
- Confia em mim.
- Confiar em ti? Por que é que havia de confiar em ti? Tu estás a ser má. Má... – A boca dela contraía-se em desespero. – Sádica e má. Trazer-me a um lugar destes...
- Podes pensar isso, mas não é verdade.
- Então por que é que me trouxeste aqui? Para esfregares isto no meu nariz? Para assistir à minha dor? Não compreendo! – Ela procurava na mala um lenço. – Quem me dera nunca te ter pedido – chorava ela. – Quem me dera nunca, nunca, te ter pedido para me ajudares!
- Pois bem, mas pediste – sussurrei , em resposta. Premi a campainha vermelha e uma enfermeira veio abrir.
- Olá – cumprimentou ela. - Esteve cá há dois dias, não esteve?
- Estive. Esta é a minha irmã.
A Hope conseguiu esboçar um sorriso lacrimejante.
- Podem ir. Já sabe o caminho não é.
A Hope conseguiu esboçar um sorriso lacrimejante.
- Podem ir. Já sabe o caminho, não é?
A Hope gemia de desespero.
- Tu és... uma vaca – rosnou ela, enquanto lavávamos as mãos no lavatório das visitas, conforme era solicitado. – Em que é que estás a pensar? A forçar-me a vir aqui só para ver que o meu marido tem não só uma amante, mas também uma filha dela. Por que é que me estás a fazer uma coisa destas? – sibilou ela, tirando uma toalha verde de papel. – Que prazer doentio é que tu tens em ver-me... sofrer desta maneira? – Premiu o pedal do cesto do lixo e atirou para lá a toalha. Eu não respondi. – É alguma coisa relacionada com a nossa infância? Alguma coisa por que me queres castigar, passados vinte anos?
Percorremos o corredor, agora em silêncio, apenas escutando o choro dos bebés e o murmúrio respeitoso dos visitantes. Ouvíamos os nossos sapatos calcorrear o chão através do linóleo.
- Por que é que estás a fazer isto? – repetia a Hope , Sotto você. – O que é que eu te fiz para justificar um comportamento tão cruel, Laura, tão deliberadamente cruel, manipulador, um comportamento horrível? Porquê comigo? Meu Deus, Laura... é uma tão grande maldade e eu não com... preen ... do... eu.... Oh...
À distância, sem se aperceber da nossa presença, estava o Mike . As mangas da camisa estavam arregaçadas e ele andava para trás e para diante, com o bebé nos braços e o rosto transfigurado pela compaixão e pela ternura.
- Shhh ... meu amorzinho. Shhh ... vá, não chores. Por favor, não chores, minha menina pequenina... vá lá, não chores...
A Hope estava presa ao chão, imóvel, a olhar para o Mike , que passeava o bebé de um lado para o outro.
- Eu não aguento. – Ela abanava a cabeça. – Não posso... simplesmente não posso...
- Shhh ... Não chores, bebé... Não chores.
- É aqui que ele vem?
- Sim.
- Desde há dois meses?
- Vá, não chores...
- Desde há dois meses.
- Eu não aguento – soluçou ela. – Sinto-me... mal... Oh, meu Deus... Oh, meu Deus... um bebé. Um bebé. E onde está essa... Clare , então? – murmurou. – Onde está ela? Eu quero vê-la, já que estamos aqui. Quero ver essa mulher que teve o filho do meu marido. A mulher que destruiu o meu casamento, o meu futuro e toda a minha... vida. Onde está ela? Onde está ela? Onde está a Clare ? – perguntava ela. – Por que é que não me dizes, Laura?
- Está ao colo do Mike – informei em voz baixa.
- O que é que estás a dizer?
- Está ao colo do Mike .
Ela pestanejou.
- Mas... não compreendo.
- A Clare é o bebé.
- A Clare é o bebé? Ah. Então... quem é a... mãe?
Encolhi os ombros. – Não sei. E o Mike também não sabe. Ele nunca a viu... e nunca a irá ver.
A Hope olhava para mim como se eu estivesse a falar uma língua desconhecida.
- E então... o que...?
- A mãe da Clare é uma viciada em heroína, portanto a Clare nasceu também viciada. E os bebés de mães drogadas sofrem os sintomas de carência, portanto precisam de alguém que lhes pegue e que os embale e que os passeie, porque têm tendências para estados de grande agitação e choram muito. E como têm os músculos muito tensos, torna-se difícil descontrair para adormecer, portanto precisam de doses extra de mimo e de colo, o que as enfermeiras nem sempre têm tempo para fazer. É precisamente a isso que o Mike se dedica, de há dois meses para cá, bem como mais alguns voluntários. Ele não faz a mais pequena ideia de que eu estou ao corrente, nem que falei com a enfermeira que organiza este programa.
- Oh – fez a Hope . Continuava de olhos fixos no Mike . Os lábios tremiam-lhe. Depois vi uma lágrima rolar-lhe pela cara abaixo.
- Shhh , meu bebezinho – ouvimo-lo dizer. – Shhh ...
- Oh – sussurrou ela. – Estou a ver
- Shhh , querida... Shhh , está tudo bem... está tudo bem, minha pequenininha... Vais ficar bem... vais ficar bem... Não chores... por favor, vá lá, não chores...
- Então... ele não tem uma amante?
- Não.
- Então... era isto que ele vinha fazer?... – pestanejou, incrédula.
- Uma obra de caridade, Hope."
Apaga a luz – Isabel wolff

Há dias que são sempre iguais ao longo dos anos.
O 1.º de Novembro é mais um deles. Todo ele é exclusivamente dedicado aqueles que já partiram. São imagens que, de um certo modo, não deixam de me perturbar. À medida que os meus pés se movem, os olhos vêem gravadas, na pedra fria, a imagem daqueles que me fizeram muitas vezes sorrir. A primeira passagem é sempre pela actual morada dos meus avós maternos. O meu avô já faleceu há 22 anos e a minha avó há 14, mas lembro-me deles como se os tivesse visto ontem dado que há momentos que permanecem sempre vivos nas minhas recordações. A morte do meu avô, tinha eu oito anos, foi a minha primeira noção daquilo que é perder alguém que amamos sem poder fazer nada para o evitar.
Depois desta primeira "visita", seguem-se os tios, tias, primos e primas e os amigos que faleceram de Cancro ou de acidente de viação ou de trabalho. É incrível como são centenas e centenas de rostos imóveis que já não nos devolvem um olhar de carinho, de afecto, que tanta falta nos faz. Nunca passo por ali, sem "visitar" o Leonel. Foi o primeiro amigo que perdi vitima de Cancro, tinha ele apenas 23 anos. Nunca esqueci o seu sorriso, a sua alegria de viver. E a ele seguiram-se tantos outros. Em cada canto há um rosto conhecido, e um, e mais um... e o pior é que cada vez há mais e mais. E cada vez é mais difícil aceitar que se tenha de partir quando ainda havia tanto para fazer.
É sempre impressionante ver aquele mundo de gente que no dia de hoje passa pelo cemitério para trocar as velhas flores por umas mais bonitas... e é verdade que fica lindo no dia de hoje. Não sei se aqueles que já partiram sabem que lhe dedicamos este dia, que fazemos tudo para que a sua morada esteja mais bonita. Na verdade questiono-me muito sobre se haverá mais alguma coisa ou se acaba mesmo tudo por ali.
Passei ainda pela morada do Edgar, e continuo a perguntar por que motivo ele acabou com a própria vida. É impressionante olhar para a imagem de um rosto, de sorriso aberto, olha para nós. Porquê? Pergunto-me até que ponto durante o tempo que esteve em coma, ele se terá dado conta do seu acto, se se terá arrependido dele, se voltaria a fazer o mesmo se tivesse escapado a este acto incompreensível. Perguntas a que só ele poderia responder...

"- Não foi um acidente – interrompeu ela tranquilamente. – A queda era de bastante alto e eu esperava morrer. Mas, quando recuperei a consciência e vi que me encontrava em risco real de morrer, percebi até que ponto queria viver. Que nenhum homem merecia que eu perdesse a vida por ele."
Apaga a luz – Isabel wolff