Terça-feira, 18 de Dezembro de 2007

Rio das flores

"Agora que os seus dois filhos já estavam a ficar crescidos e a tornar-se quase independentes dela. Amparo sentia metade dos seus dias despidos, feitos de longas horas arrastadas na espera do regresso deles a casa vindos da escola, a meio da tarde. Ia fazer trinta anos em Setembro desse ano, 1937: estava ainda na idade em que o tempo se arrasta, em que aquilo que porventura se espera – às vezes sem se saber bem o quê - parece nunca mais chegar e nada passa subitamente, nada foge, nada se perde, nada é irrepetível. Só depois, como ela aprenderia, viria a fase em que o tempo desliza e, a seguir, a fase em que o tempo desaparece. Mas, por ora, ainda era a sua juventude que corria atrás de si e não o contrário."
Rio das flores - Miguel Sousa Tavares
Clauclau às 23:51

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Segunda-feira, 17 de Dezembro de 2007

Rio das flores Xll

"Ele foi, rápido e impetuoso e fez tudo, rápida e impetuosamente. Não ouviu dela nem um queixume, nem um murmúrio de excitação, nem uma palavra. Apenas sentiu que lhe agarrava os cabelos com força por detrás da cabeça e que arqueava levemente o corpo para facilitar os movimentos dele. Quando, exausto, tombou a cabeça de lado no peito dela e, minutos depois, rodou a cara para a olhar, reparou que ela continuava com a cabeça ligeiramente de lado, o mesmo sorriso na boca e contemplava o tecto do moinho, de olhos bem abertos. Só então pareceu verdadeiramente concentrar-se nela.
- Angelina?
-Sim...
- Diz-me uma coisa. Tu não és virgem, pois não?
Ela sorriu, sem se mexer.
- Então, tu acabas de fazer amor comigo, como é que queres que eu seja virgem?
- Sim, claro. Antes disso, quero eu dizer... eras virgem? Não, pois não?
- Isso preocupa-te?
- Se me preocupa? Que raio de pergunta! Então não há-de preocupar?
Ela sentou-se sobre os cobertores, afastando-lhe docemente a cabeça do colo, estendeu a mão para a bolsa, sacou um maço de Chesterfield, meteu um cigarro na boquilha e acendeu-o com o seu Zippo.
- Estás a falar a sério, Pedro? Preocupa-te que eu seja virgem? Agora é que te preocupa?
- Não, pensei nisso antes, mas, como não te vi dizer nada sobre o assunto nem travar as coisas, achei que... de uma maneira ou de outra...
- O quê?
- Que ou não eras virgem, ou...
- Ou quê?
- Ou não te importavas de deixar de ser...
- Ah, e o que concluíste, afinal?
Pedro estava a achar a conversa desagradável, a despropósito, e o pior é que tinha sido ele a começá-la. "Pensando bem, o que me importa a mim isso? Ela é que tem de se preocupar com o assunto!"
- Concluí que não, Angelina.
-Não... Não quê?
- Que não eras virgem, antes de mim. - Estava a começar a irritar-se com aquele interrogatório: então, ela não era virgem e ele é que era o réu?
Angelina reclinou-se sobre ele e pousou-lhe as mãos no peito. Ele estremeceu ao reparar outra vez como ela estava sensual e exposta na sua nudez, debruçada sobre ele. Ia falar, mas ela antecipou-se-lhe:
- Diz-me a verdade, Pedro: isso é grave, é importante para ti?
- Não sei se é grave. Importante é. E é... é diferente.
- Diferente de quê? Diferente daquilo a que estás habituado?
Ele hesitou.
- Não, diferente, sei lá, daquilo que seria normal esperar de uma rapariga como tu.
- Como eu?
- Sim, da tua condição, do teu meio...
Ela pressionou-lhe mais o peito.
- Estás a sugerir o quê, Pedro?
- Nada. Juro que não estou a sugerir nada.
- Então, onde é que está a importância para ti de saber se eu já dormi com um ou com mais do que um, antes de ti? Eu perguntei-te alguma coisa sobre a tua vida sexual passada?
- É diferente, Angelina...
- Porquê diferente? Eu deixo de ser respeitável a teus olhos por já não ser virgem? Não queres voltar a estar comigo, por causa disso?
- Não, não, nada disso!
- Então?
Ele suspirou. Demasiadas perguntas para que não estava preparado. Nunca tinha, aliás, imaginado que devesse estar.
- Angelina: por mais moderna que tu sejas ou queiras aparentar ser, não podes ignorar que há tradições e valores morais, no meio em que nós vivemos, que...
- Convenções, Pedro!
- Seja: convenções. Chama-lhe o que quiseres, mas há.
- E o que interessam elas?
- Interessam, sim.
- Para quê?
- Para quê? Olha, para o casamento, por exemplo!
- Para o casamento? Mas tu pediste-me em casamento?
- Não...
-Vais pedir-me em casamento? Ou melhor, ias pedir-me em casamento, mas agora, que descobriste que eu não era virgem, já não podes? E isso?
Ele afastou-lhe as mãos e levantou-se. Estava a ficar sem ar, a sentir-se acossado.
- Que raio de pergunta, que raio de interrogatório!
Não podemos parar com isto? Uma coisa tão boa acaba assim, nesta discussão parva!
Ela baixou a guarda, enfim. Sentiu que continuar seria maldade sua."
Rio das flores - Miguel Sousa Tavares
Clauclau às 23:41

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Domingo, 16 de Dezembro de 2007

Rio das flores Xl

"Mas a chegada do Verão era terrível. Tudo despertava, a natureza inteira - e a sua também. Sim, ela conhecia as regras do jogo e nunca lhes fora rebelde. Uma mulher, quando se casava, casava-se para sempre com o mesmo homem, o seu homem. Era-lhe fiel e dedicada, enquanto ele fosse vivo, e era-lhe fiel e dedicada, mesmo depois de ele estar morto. Por desgraça sua, vira-se viúva demasiado cedo, mas tanto fazia que tivesse sido aos quarenta e quatro como aos sessenta e quatro ou aos vinte e quatro: havia um papel, uma função social e um estatuto estabelecido para as viúvas naquela sociedade onde tinha sido criada, e ela sabia qual era e nunca, verdadeiramente, tinha desejado, nem no seu mais íntimo, pô-lo em causa. Mas isso era o que ela pensava e o que tinha aprendido ser justo. Outra coisa era o que o seu corpo pensava. E, mais do que uma vez (muitas, para vergonha sua!), não era a cabeça, mas sim o corpo que, de noite, deitada na cama além dela vazia, lhe assaltava a determinação e a paz que o seu espírito buscava. E tudo era mil vezes pior no Verão, com a luz do luar ou o cheiro das ervas entrando pelo quarto adentro.
Então, era aquilo a viuvez! Fazer de conta que não estremecia, fingir que não pensava, esforçar-se por sentir apenas, nas noites de Inverno, o frio que dividia consigo a cama e não a ausência do homem que outrora a dividira, e, nas noites de Verão, convencer-se de que era só a natureza, lá fora, que acordava para a vida e não o seu corpo oficialmente adormecido para todo o sempre!"
Rio das flores - Miguel Sousa Tavares
 
Clauclau às 23:37

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Sábado, 15 de Dezembro de 2007

Rio das flores X

"Sim, um acaso, porque o que lhe acontecera nem sequer era natural: os filhos e filhas dos ricos eram quase sempre mais bonitos e atraentes do que os filhos e filhas dos pobres. Alimentavam-se melhor, iam aos médicos, tratavam dos dentes, vestiam-se à moda e cuidavam-se bem mais. Falavam mais bonito, aprendiam maneiras e frequentavam-se apenas uns aos outros.
Pouco a pouco, tão discretamente quanto a sensatez lho aconselhava. Amparo foi tomando pé nas coisas da casa, nos domínios que, por longa tradição, eram os das mulheres: aos homens, o cultivo das terras, o gado, a floresta, a caça, as feiras; às mulheres, o governo da casa e da cozinha, o cultivo da horta e a criação da capoeira, as roupas e as limpezas. Entre nada de substancial fazer, o que seria malvisto, ou querer fazer de mais, como que roubando o lugar à sogra, o que seria inconveniente e imprudente, Amparo foi descobrindo, tacteando, conquistando paulatinamente o seu lugar em Valmonte. Ao contrário do costume, porém, inibia-se de tratar a sogra por mãe, e procurava não fazer nada que fosse contrário à forma como ela fazia. Aliás, sabia que tinha muito a aprender com Maria da Glória, algumas coisas que não custava imitar e outras que, a bem dizer, demoravam gerações a aprender: como pôr a mesa, que bebidas oferecer em cada altura, como dar ordens às criadas, como mandar dobrar as camisas dos homens depois de engomadas, como comer à mesa, quando falar e quando ficar calada.
Era todo um mundo novo que ela queria absorver sofregamente mas sem dar nas vistas e cuja entrada Maria da Glória lhe franqueava, ensinando-a, sem que lhe falasse de cima para baixo, mas também sem deixar de a corrigir quando o entendia necessário.
- Dona Maria da Glória, ponho um pau de canela nas compotas de laranja? - perguntava ela à sogra, tentando imitar o que vira, numa tarde em que estavam as duas na copa a encher boiões de vidro com doces e compotas de laranja, amoras e figo.
- Só nas de laranja amarga - respondia Maria da Glória, como uma professora primária corrigindo a aluna.
- Vem cá, Lurdes, prova-me aqui esta compota – dizia ela para a criada, estendendo-lhe o frasco de compota de amoras para que ela lá mergulhasse o dedo e provasse.
Maria da Glória observava em silêncio pelo canto do olho, esperava que a criada saísse e só então lhe dizia:
- Amparo, não se prova com o dedo e, aliás, a única criada que pode provar é a cozinheira Maria."
Rio das flores - Miguel Sousa Tavares
Clauclau às 23:32

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Sexta-feira, 14 de Dezembro de 2007

Rio das flores lX

"- Diogo, estás muito mal?
- Estou péssimo. Amparo. Acho que vou morrer! Desculpa, mas hoje não consigo fazer nada, nem estou digno de ti: a tua noite de núpcias vai ter de ficar para amanhã!
"Isso é o que tu julgas!" - pensou ela, sorrindo. Apagou as luzes todas do quarto, deixando apenas duas velas acesas. Em esforço, soergueu aquele corpo morto e encostou-o às costas da cama. Despiu-lhe o casaco do fraque e o colete, à custa de persistência e ginástica. Depois, descalçou-lhe os sapatos e as meias, fez-lhe escorregar as calças pelas pernas abaixo e, sem que ele desse qualquer sinal de consciência, desapertou-lhe os botões de punho, desfez-lhe o nó da gravata e começou a desabotoar-lhe a camisa.
- Amparo - murmurou ele, de voz arrastada -, não é preciso vestires-me o pijama... eu não uso pijama...
- Não, meu amor, não é preciso.
Ele fechou os olhos, rodou a cabeça para o lado oposto e pareceu mergulhar num coma instantâneo.
"Paciência!", pensou ela para consigo. "Tinha sonhado que me ia despir para ti e que iria ficar morta de vergonha e de excitação ao fazê-lo, e afinal tenho de o fazer só para mim! Mas esta é só a primeira noite da nossa vida juntos e hás-de ter tempo para ver e apreciar."
[...]
Amparo agarrou no frasco de óleo de poejos colhidos na ribeira, cheirando a flores do mato, e lentamente começou a esfregar-se de cima para baixo, sentindo um calor húmido descer-lhe pelo corpo e subir-lhe ao juízo.
Entrou na cama toda nua, virou-o para si e encostou-se ao corpo dele, que agora apenas vestia umas ceroulas de algodão. Começou a percorrê-lo com as mãos e, inclinando-se, fez-lhe deslizar as ceroulas pelas pernas abaixo, até lhe saírem pêlos pés. Muito tempo sonhara com aquele momento em que pela primeira vez veria um homem nu, deitado ao seu lado e ao seu dispor. Olhou-o com um sentimento de desejo e de posse que nem a visão de uma coisa mole e adormecida entre as pernas dele conseguiu desfazer. Mas ela sabia que não era assim: tinham-lhe ensinado que não era assim, que essa coisa, agora murcha e desfalecida, crescia de repente e sem aviso, tornando-se um falo ameaçador capaz de a romper por dentro e fazê-la sofrer das dores e da vergonha dessa submissão a que as mulheres se condenam por casamento. Mas ela queria essa dor e essa vergonha. Essa danação do casamento."
[...]
"Amparo olhou para ele e sorriu. O morgado de Valmonte, o senhor engenheiro, o menino Diogo estava bêbado como uma carroça, com uma mulher linda, virgem e nua, sentada na cama ao seu lado e à sua disposição. Mas não se importou: agora, o morgado, o engenheiro e o menino eram também o seu marido, o seu homem. E tinha todo o tempo do mundo para ele. A começar já por esta noite.
Lentamente, sem pressa alguma, começou a percorrê-lo de cima para baixo, com a palma da mão aberta, com a boca, molhando-o ao de leve, e com o nariz, aprendendo o seu cheiro. Nunca antes lhe permitira ela nada de semelhante, mas agora era diferente: soubera esperar e merecer este momento. E devagar chegou lá abaixo, onde dormia o monstro adormecido do seu adormecido marido. Contemplou-o assim, exposto, inconsciente, sem nada a escondê-lo dela. Instintivamente, estendeu a mão a medo e tocou-o. Gostou de o sentir na sua mão, da consistência da pele, da vida que nele sentia fervilhar, apesar de adormecido. Segurou-o com uma mão primeiro, depois com ambas, virou-o, levantou-o, mediu-lhe o peso, foi-se apoderando dele aos poucos, até que um gemido de Diogo a fez parar de repente, envergonhada e temerosa do que seria a reacção dele. Mas ele calou-se e ela continuou a mexer-lhe e a brincar com ele, sentindo um calor húmido descer-lhe pela barriga abaixo e instalar-se entre as suas coxas. Depois, quase imperceptivelmente de início, e a seguir já claramente, começou a senti-lo crescer dentro da sua mão fechada em volta dele. Novo gemido veio da cabeceira da cama, mas, desta vez, "ela não parou nem se tolheu: estava fascinada com o que via e o que sentia. Irresistivelmente, foi aproximando a cara daquele membro gora palpitante de vida, até que, quando já estava tão perto que lhe pareceu impossível recuar, puxou-o para si e provou-o.
Diogo tinha despertado por completo. Aliás, fora despertando aos poucos, havia já um bocado, quando o chamamento do sexo (que, como se sabe, nos homens é independente da cabeça) o arrancou ao seu sono etílico. Ao princípio, nem se lembrava onde estava, depois foi tomando consciência do que se estava a passar: a sua mulher, casada com ele há não mais do que umas horas, explorava-o indecentemente, sem pudor algum, enquanto o fazia adormecido. Mas aquilo era bom, caramba, se era bom, as mãos dela afagando-o, envolvendo-o, fazendo-o crescer como homem apto para o seu dever dessa noite, a língua quente e molhada descendo-lhe pelo pescoço, pelo peito, pelo estômago, pelas coxas! Sem saber como reagir e o que pensar, deixou-se ficar quieto, fingindo-se ainda adormecido, só não conseguindo impedir-se de soltar um gemido, de vez em quando. Pensar até onde é que ela iria, onde é que pararia, enchia-o de um prazer desvairante e de um terror absoluto. Sentiu, apesar das nuvens do álcool no cérebro, que aquela noite, e por iniciativa dela, marcaria para sempre a vida sexual de ambos e o tipo de casamento que iriam ter até ao fim dos dias. Por isso, e porque beneficiava da imensa vantagem de se poder fingir adormecido e, mais tarde, simular que nada sabia do que se tinha passado, ele continuou a jogar o seu jogo disfarçado, deixando que ela se expusesse completamente,
E assim talvez tivesse ficado pela noite fora, não fosse ter perdido o controle da sua imobilidade, quando sentiu a boca dela entre as suas coxas.
- O que fazes. Amparo? - perguntou, como se tivesse acabado de acordar.
Ela não respondeu. Continuou. E continuou ainda, como se estivesse sozinha e não lhe devesse explicações.
Aliás, explicar o quê?
- O que fazes? - E agora tinha-lhe agarrado a cabeça com as mãos.
- Amo-te - respondeu ela.
Então, ele puxou-a para cima de si, mergulhou a boca na dela como um possesso, viu enfim, e pela primeira vez, o que há tanto desejava ver - aquele peito grande, empinado e de bicos escuros e grossos - e agarrou-o com mãos ambas e depois abocanhou-o como se mamasse, e foi a vez de ela começar a gemer baixinho.
- Vem - disse ele. - Vem para baixo de mim!
- Gosto de estar assim, por cima de ti - respondeu ela.
- Não, mas agora vens para baixo de mim!
Ela rodou, obediente, e sentiu que todo o peso e todo o fogo dele que ela despertara tombavam sobre si.
- Por favor, Diogo, faz devagar! Não quero que me doa, quero que seja bom, muito, muito bom!
Ele parou um instante a contemplá-la. Estava linda, nua, deitada à sua espera, o corpo moreno, húmido do óleo com que se esfregara, brilhando com reflexos de ouro à luz da vela. E entrou nela devagar, conforme ela pedira.
Devagar e cada vez mais fundo, até que um dique se rebentou algures, não sabia se dele, se dela, se de ambos, e, quando mais tarde foi saindo devagar de dentro e de cima dela, viu que havia uma mancha espessa sobre o lençol de linho branco e sangue que coagulava no exacto sítio em que a possuíra pela primeira vez."
 
 
Rio das flores - Miguel Sousa Tavares
Quinta-feira, 13 de Dezembro de 2007

Rio das flores Vlll

"Diogo estava menos triunfante, menos seguro de si mesmo do que ela. Acabara de se casar com a mulher que amava - isso ele sabia. Com uma mulher de vinte anos a cuja beleza e sensualidade homem algum poderia ficar indiferente. Que era inteligente, trabalhadora, resguardada e seguramente agradecida. Ser-lhe-ia fiel, amiga e reconhecida. Esperaria por ele quando tivesse de esperar, estaria ali quando ele precisasse, seria discreta quando fosse de o ser, exuberante quando ele o desejasse. De tudo isso Diogo estava certo e confiante. O que o fazia sentir-se ligeiramente inseguro, um pouco confuso até, não era ela, mas sim ele mesmo. Era pensar que talvez fosse novo de mais para se casar e se prender, para fazer filhos e família, para se acomodar de vez àquele vasto pedaço de terra, dois milhares de hectares, rios, ribeiros e lagoas, floresta e pastagem, vales e montes, escarpas de esteva selagem e planícies cultivadas e, todavia, tudo tão pouco, comparado com o mundo inteiro que ele não conhecia."
Rio das flores - Miguel Sousa Tavares
Clauclau às 23:21

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Quarta-feira, 12 de Dezembro de 2007

Rio das flores Vll

"- Um casamento por amor não é, à partida, melhor ou mais adequado do que outro: é apenas mais bonito - ouviu-se ela dizer, sem pensar muito no que dizia. Às vezes, as pessoas casam-se por amor e o amor desaparece ao fim de uns anos e não fica nada ou quase nada; e, outras vezes, as pessoas casam-se sem amor e, ao fim de uns anos de casamento, descobrem que amam o outro. No amor, é tudo muito estranho, filho!
Pedro olhou a mãe, calando a pergunta que obviamente lhe ocorria, mas que nunca se atreveria a fazer: «E a mãe, em qual dos casos se encaixou?»"
Rio das flores - Miguel Sousa Tavares
Clauclau às 23:16

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Terça-feira, 11 de Dezembro de 2007

Rio das flores Vl

"- Mãe, não pode consentir que o Diogo se case abaixo da sua condição! Tão abaixo, que eu até tenho vergonha de imaginar a própria festa de casamento! Vamos ser humilhados perante a vila inteira e vamos ver ainda quem é que aceitará vir...
Maria da Glória suspirou. Se ali estivesse o marido, o mais certo seria a opinião dela não contar para nada, naquele assunto. Mas a viúva de Manuel Custódio Ribera Flores detinha agora um novo estatuto, mais simbólico do que real, mas assim mesmo de alguma importância: era o chefe nominal da família ou, melhor dito, a guardiã da vontade presumida do defunto chefe e seu marido.
- Pois, Pedro, realmente o Diogo não deveria casar-se abaixo da sua condição... Homem algum deveria casar-se abaixo da sua condição...
- Não é apenas casar-se abaixo da sua condição, mãe: ele quer-se casar com a filha dum antigo rendeiro nosso, toma miúda que nem sabe sentar-se à mesa, dessas que andam por aí a abrir as pernas a quem passar e exactamente à espera da sorte grande de fisgar alguém como nós!
- Mas ela não é dessas, pois não, Pedro? - Maria da Glória ficara hirta e a sua firmeza impressionou o filho.
- Não, mãe, para dizer a verdade, não consta que tenha sido dessas. Mas isso só prova que é esperta, soube-se guardar...
-E é algum crime ser esperta, é mau ter-se sabido guardar - ou por esperteza, como tu dizes, ou por natureza?
- Mãe! - Pedro arrastou uma cadeira e veio sentar-se em frente dela, segurando-lhe a mão, para a forçar a olhá-lo de frente. - Mãe, diga-me uma coisa: acha que o pai aprovaria este casamento?
Maria da Glória não retirou a mão do filho nem evitou o seu olhar;
- Queres que te diga o que penso, com toda a verdade? Penso que o teu pai não aprovaria este casamento, com toda a certeza. Mas esse foi sempre o problema do Diogo, como bem sabes: ser dono de si mesmo, construir a sua vida, para além da vontade do pai. Se o pai fosse vivo, o mais provável é que o Diogo fugisse com a Amparo, para se ir casar e viver longe daqui. Dou graças a Deus por o casamento o manter aqui connosco.
- E como sabe a mãe que ele se vai manter aqui?
- Porque ela - ela, Pedro! -, porque vem de baixo e nasceu aqui a comer o pão que o diabo amassou e a ver o pai dela arrancar à terra todos os anos o seu sustento, ela - ouve-me bem, ela, e não o Diogo! - é que dá o verdadeiro valor à terra e a tudo isto. E ela que o vai fazer ficar em Valmonte."
Rio das flores - Miguel Sousa Tavares
Clauclau às 23:13

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Segunda-feira, 10 de Dezembro de 2007

Rio das flores V

"- Não é só passear as vacas. Essa é a parte do trabalho: à noite, passeamos as miúdas da terra!
- Passeamos?
-Vá lá, Diogo, não te armes em santinho! Passeamo-las, sim: tiramo-las para dançar no bailarico e depois, com um bocadinho de jeito, levamo-las para trás da igreja e, em elas fingindo que não querem e que são muito virtuosas, saltamos-lhes para cima e, quem sabe, ainda tiras os três a uma, à sombra da Santa Maria!
Aquela parte Diogo nunca dominara bem."
Rio das flores - Miguel Sousa Tavares
Clauclau às 23:10

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Domingo, 9 de Dezembro de 2007

Rio das flores lV

"- E o que fazes tu com essa instrução?, foi o que eu perguntei. Depois de saberem ler, escrever e fazer contas, se calhar, até, depois de aprenderem história, geografia e francês, os camponeses vão querer voltar para os campos e os mineiros para as minas? Quem os substitui, então?

- Vão passar a fazer melhor o seu ofício, certamente. Serão também melhores cidadãos, sem dúvida. E não te preocupes porque, mesmo que eles queiram largar os empregos que tinham e subir na vida – o que é um direito seu que não podes negar-lhes -, outros haverá sempre para ocupar os seus antigos postos. Não é obrigatório ser-se analfabeto para trabalhar a terra ou descer à mina."

Rio das flores - Miguel Sousa Tavares

Clauclau às 23:08

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